quarta-feira

O segredo de "Giselle" - Parte 1

Há anos que estou desejando entrar no processo de montagem de um novo espetáculo com a Palhaça Barrica. Foram várias as ideias, inúmeras tentativas e a aceitação de que sozinha não seria possível nesse momento da minha vida. Ou, o entendimento de que nesse momento da minha vida, eu merecia ter o apoio, o auxílio e o olhar atento de um diretor sob o meu trabalho.
Nesse ano, graças ao Edital das Linguagens artísticas que tem fomentado tanta criação bonita na nossa cidade, eu comecei a trilhar esse caminho, a andar nesse processo.
Para desconhecedores, pode não parecer tão difícil, mas para quem está envolvido em um processo criativo, sabe o quanto é mais difícil do que parece, por ser um trabalho profundo, de autoconhecimento, de revelações dos desejos, sonhos e pesadelos secretos, de reinvenção do que se é.
Sou palhaça há 15 anos. Me apaixonei pela palhaçaria antes de ter dado o primeiro passo, e quando comecei a caminhada então me identifiquei. Nesses 15 anos muitas coisas mudaram na palhaça, muitas ideias se transformaram, experiências, pessoas, mestres, acontecimentos, tudo isso foi mudando a Palhaça Barrica desde a maquiagem, as roupas que usa, o cabelo que tem, adereços que coloca, lugares onde atua. E sobretudo, o olhar sobre o mundo também foi mudando. Agora é chegado o momento de se reinventar a partir disso tudo, e da necessidade de falar ao mundo coisas que ainda perturbam e ser porta voz dos que sentem o peso no mundo.

Com Lily Curcio iniciei em janeiro de 2017 essa nova jornada. Tem sido bem desafiador para mim, pois nesse novo espetáculo estarei manipulando bonecos, dançando ballet e atuando de uma forma bem diferente e tratando de assuntos dos quais muito bem conheço de forma mais profunda do que já trato.
O assunto que volta nesse novo espetáculo ainda é a questão da relação com o corpo. A forma como somos condicionados a pensar que o nosso corpo tem que seguir um determinado padrão estético, que fora desse padrão somos feios, desajustados, as roupas não são feitas para nós, nos acham mais velhos do que somos, acham que somos doentes, acham que somos psicologicamente perturbados, acham que somos relaxados, desleixados, somos grotescos e não temos direito de sermos felizes, de sentir prazer e alegria na vida e de termos sucesso no que quisermos.
Há sempre, em todo lugar, na casa, na família, no trabalho, na escola, na rua, na loja, no supermercado, no restaurante, no banco... em todos os lugares, olhos que nos reprovam, nos julgam por sermos gordos. Enquanto não nos vermos como pessoas perfeitamente saudáveis, com capacidade e merecedoras de prazer, alegria, sucesso e amor, vamos sempre sofrer com o peso que esses olhares tem sobre nós. Isso pesa muito mais que nossos quilos sobre as nossas articulações.
Nesse caminho de superar esse julgamento e amar o meu corpo, eu tenho caminhado há anos e a palhaçaria me ajudou muito, pois me fez perceber que o meu corpo é único e potente, que cada um tem um corpo e que deve amá-lo e sobre tudo usá-lo a seu favor e não contra você. Não é um caminho fácil, esse do empoderamento do corpo, as vezes a gente titubeia, mas depois repensa e se volta para o que realmente importa. 

Saiba mais no espetaculo. (Dia 05 de março - 16h e as 20h - Teatro do Sesc Chapecó)

O segredo de "Giselle" - Parte 2


No dia 30 de janeiro, encerramos a primeira etapa do processo de montagem do novo espetáculo da Palhaça Barrica – O segredo de “Giselle”. 
Contemplado com recursos do Edital das Linguagens 2015, o projeto prevê como comemoração aos 15 anos da Palhaça Barrica, a montagem de um novo espetáculo teatral, com a direção artística de Lily Curcio do Seres de Luz Teatro de Campinas e ideia original da palhaça suíça, Gardi Hutter. 
Nessa primeira etapa, foram 15 intensos dias de trabalho, focadas na criação da dramaturgia do espetáculo, na criação de cenas, desenvolvimento de novas técnicas que serão utilizadas na montagem e pesquisa dos elementos do espetáculo.
15 dias de muita intensidade principalmente no que se refere ao bendito “trabalho do ator sobre si mesmo”, onde vem por terra algumas certezas, surgem muitas dúvidas e ao mesmo tempo surgem tantas possibilidades não cogitadas, nem exploradas nesses 15 anos de pesquisa em palhaçaria e aí residindo a novidade, a reinvenção do trabalho, o surgimento de uma palhaça mais amadurecida. 
O caminho que esse trabalho novo tem a percorrer é longo, e sabemos que somente no contato com o público é que ele vai verdadeiramente mostrar a que veio, mas estamos certos de que já demos os primeiros passos.
No dia 05 de março, o espetáculo será apresentado em formato de um “Ensaio Aberto” ao público, no Teatro do Sesc Chapecó em duas sessões, uma as 16h e outra as 20h. Aguardamos todos lá!



AGRADECIMENTOS:
Agradeço a Prefeitura Municipal de Chapecó, juntamente com a Secretaria de Cultura e todos os seus dirigentes, aqueles que estão e os que estiveram lá, idealizando o Edital das Linguagens e acreditando que ele tinha potencial. Hoje quando começo a visualizar a montagem desse novo espetáculo, percebo que sem a aprovação nesse edital o sonho demoraria mais para se concretizar. Além disso tenho visto outros projetos de colegas artistas se materializando e levando mais arte e cultura para a nossa cidade, o que me faz pensar que sim, essa é uma ótima iniciativa da cidade, e pode crescer muito mais! Agradecemos, apoiamos e esperamos! 
A Secretaria de Cultura por todo o apoio.
A Lily Curcio pela generosidade, aceitação, pelo carinho e respeito ao meu trabalho.
A Gardi Hutter, por ser para mim essa inspiração gigantesca e pela ideia desafiadora com que nos presenteou. 
Ao Vinicius pelo apoio, suporte e força nos momentos de precisão. 


A Daniela Silva e ao Sesc Chapecó pelo apoio ao projeto abrindo as portas do teatro para a exibição do nosso espetáculo.
Aos meus guias de luz que iluminam meu caminho, me fortalecem, me protegem e nunca me faltam! Salve São Jorge Guerreiro! Salve minha mãe Iemanjá! Salve mamãe Oxum! E salve o Rei Xangô!

Palhaço é coisa de criança?

O palhaço, uma figura que habita o imaginário coletivo das pessoas, geralmente é associado a criança, como se sua atuação fosse destinada apenas para esta faixa etária. E muitas pessoas dizem em alto e bom som, que “palhaço é coisa de criança”, mas será que é mesmo?
E de que criança se está falando?
É fato que todo palhaço é meio bobo, desajustado, engraçado, não se enquadra dentro dos padrões, é quase sempre muito colorido, excêntrico, as vezes ácido, as vezes doce, mas sempre movido por uma inocência e uma crença nas coisas e uma surpresa com tudo, que é muito característico das crianças. As crianças se identificam com esta figura, se identificam com sua falta de habilidades para ser sério.
Mas é sempre bom lembrar, que como todos fomos crianças um dia, esta energia infantil que o palhaço traz a cena, fala também para a criança que fomos. Interage conosco e transforma nosso olhar para o mundo que nos rodeia. O palhaço nos lembra como é bom brincar, nos lembra que não há necessidade de sermos sérios o tempo todo, nos lembra de nos surpreendermos com as pequenas coisas e de nos encantarmos com a possibilidade de vida e de morte em cada momento da vida.

Neste caso, acho que palhaço é coisa mesmo de criança, daquelas que já foram e daquelas que ainda são. Mas palhaço é coisa de gente grande, porque ele é gente grande também, só que com um olhar torto e desviado da criança. Aparece e desaparece da nossa frente, mas se mantém intacto no nosso imaginário, como figura que nos trás alegria! E vamos combinar, alegria é essencial para todas as idades, tamanhos, crenças e opções na vida.